Golpe de misericórdia

Mesmo exausto, consegui chegar ao bar. Cabeça e estômago ardendo. Havia também uma dor inédita que brotava do meu flanco direito e subia como uma corrente elétrica, irradiando até chegar ao lado direito do rosto, que ficava levemente paralisado. Essa dor começava com o leve formigamento dos meus intestinos, mas posso estar enganado. O importante é que consegui chegar ao bar, sentar e pedir uma cerveja e um cigarro avulso. Bebi a danada e meu estômago pareceu respirar fundo e recostar-se sossegado em minhas costelas. Virei para o lado e descobri o Tião me observando desconfiado. Sabia que eu tinha feito alguma asneira, que havia falado o que não devia. O Tião é daqueles amigos que eu nunca desconfiaria, pois apenas ele me restava. Veio devagar e puxou a cadeira de ferro ao meu lado, pegou o isqueiro e acendeu o cigarro grudado na minha boca. Eu estava tentando descobrir o que sentia pelo Tião naquele momento, pois sabia o motivo dele estar ali ao meu lado, quieto. Você não faz uma besteira dessas pensando que é herói e depois abandona tudo em um passeio pela esquina. Tem tantas regras que você mesmo formata em sua vida, regras que se sobrepõe. Sim, eu poderia ter colocado a mão na minha barriga, sentir o sangue morno e denso espirrando. Perceber então que as dores brotavam dali e que mesmo tendo escapado da emboscada, o Tião estava ao meu lado para terminar o serviço. Mas nada disso estava acontecendo.

Levantei e fui até a janela espiar através das lâminas velhas da persiana. Ninguém mais gosta de quebra de expectativa — pensei enquanto virava desolado para a tela do notebook, procurando pelo Tião. O que ele estava fazendo ali, ainda disforme? Quem o chamou afinal? Parecia um boneco sem vida, pronto para me atacar ou cair de sono.

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