Técnica dos pensamentos desconexos

Para os que não conseguem dormir sem antes rolar por horas na cama, sugiro a utilização deste breve manual. Não sem antes tomar a devida posição na cama, nu, de barriga para baixo. A técnica consiste em deixar o cérebro livre para conectar os pequenos monstrinhos da maneira como quiser. Deixe-o pensar, por exemplo, em agulhas entrelaçadas sob a pele em alguma região não muito (ou nem um pouco) clara e um cão late na rua e a conexão está feita. O cérebro tentará conectar o cão latindo com as agulhas entrelaçadas que podem estar no cão ou em você, mas o cão veste pêlos tão grossos quanto agulhas ou cerdas de uma escova de dente ou o cão pode estar sobre as suas costas, mas o seu peso seria sentido e você teria que ficar completamente parado para que ele não lhe mordesse o pescoço ou para que a sua baba não lhe pingasse nas costas. O cão não poderia ter entrado em sua casa, pois a porta está trancada, a não ser que ele tenha flutuado através da janela em uma bolha estourada pelas agulhas que até agora você ainda não conseguiu (nem tente) descobrir onde exatamente estão. Você vê as agulhas tão próximas do seu nariz que é impossível identificar onde estão espetadas e a ausência de sangue pode significar que a carne está morta ou as agulhas são gigantescos troncos costurando a terra e você degustaria essa idéia com calma, pois prefere acreditar que as agulhas estão no seu antebraço ou na palma da sua mão durante dias sem que você tenha percebido. Você não pode se concentrar e nem ao menos tentar entender o significado das agulhas. Pode tentar descobrir de que elas são feitas e para isso sobrevoá-las como se estivesse em um avião e as agulhas fossem mísseis enterrados na pele de um mar de lama marrom e tenra como a carne de um novilho pendurado em uma fina churrascaria na qual você está agora sentado empunhando garfo e faca e pensando nas agulhas e suas estruturas atômicas diferentes, mesmo sendo elas feitas do mesmo material duro e cromado. Esse momento é delicado, pois você volta bruscamente quando a pessoa ao seu lado se movimenta e encosta o cotovelo no seu corpo e você percebe que, se não se esforçar, utilizando toda a sua capacidade de engaiolar o sono que está ali empoleirado na cabeceira da cama, todo o trabalho até esse ponto estará irremediavelmente perdido e você terá que levantar novamente e beber um copo d’água enquanto olha com inveja o sono da outra pessoa e pensa nos problemas mundanos e nos horários e compromissos aguardando no mundo desperto. Então, quando você imagina sem imaginar que todo o processo precisará ser reiniciado, você descobre seu próprio ardil e a calma lhe invade e o sono alça vôo sobre sua carcaça nua. Você nunca conseguirá lembrar o exato segundo em que recebeu o bote.

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