Morar em apartamento é um malabarismo de relações e sempre tento resolver os problemas da forma mais amigável possível. Outro dia um cheiro ruim se espalhou pelos corredores do nosso andar e ninguém sabia o que era. Até que detectamos que partia do apartamento 111 e me escolheram para conversar com o vizinho novo. Toquei a campainha e ele atendeu:
— Olá, tudo bem, sou o vizinho do 109, posso ter uma palavrinha com o senhor?
— Entre, estava preparando um café, aceita uma xícara?
— Claro, vou entrando então.
— O café fica pronto em um minuto. A que devo a surpresa da sua visita?
— Bem, imagino que o senhor deve ter sentido esse cheiro ruim que tem se espalhado pelo corredor nos últimos dias.
— Ah, é isso. O senhor sabe, moro aqui com a minha avó. Antes morávamos no sítio e sempre tínhamos um belo quintal com algumas hortaliças plantadas. O senhor gosta de tomates cereja?
— Tomates cereja?
— Aqueles pequenininhos. Pois nós sempre plantamos tomates cerejas para consumo próprio. Sabia que para uma boa horta o melhor é utilizar esterco de gado? Com ou sem açúcar? O seu café?
— Sem açúcar, por favor. Não sei muito sobre plantação, não.
— Já percebeu que aqui na cidade não temos vacas, para pegar o esterco?
— Felizmente o senhor e a sua avó não precisam mais delas, não é mesmo?
— Mas a minha avó adorava aqueles tomates e o nosso apartamento tem uma bela sacada. Temos uns vasos grandes e pensamos em plantar os tomatinhos. Terra é fácil de encontrar numa loja de jardinagem aqui perto, mas o bom e fresco esterco é praticamente impossível.
— É verdade, aqui na cidade você só encontra vacas nas churrascarias ou nos açougues.
— Então, mas a minha avó é persistente e outro dia assistíamos a um programa sobre agricultura no Japão. O senhor sabia que eles usam excremento humano como adubo e dizem que é ainda melhor que o de gado?
— Não me diga? Então, este cheiro…?
No outro dia o meu amigo Moacir, do 112, foi almoçar lá em casa:
— E aí? Descobriu o que o nosso vizinho anda aprontando pra catingar assim o corredor?
— Ah, nada demais, parece que o sifão da pia dele entupiu, mas logo deve resolver.
— Bom que resolva mesmo. Mas rapaz, me diga uma coisa, onde é que você conseguiu estes tomatinhos deliciosos?
(publicada no Plural do Notícias do Dia, 13/9/08. p.3)
O título dessa crônica foi sugestão da minha querida irmã, Kike Ozuas.
kkkkkkkkkkkkk
muito bommm!
deve realmente ser uma delícia
😛