Fiquei sabendo que no último dia 15 de novembro ocorreu em Singapura uma competição mundial de sudoku, um jogo onde o objetivo é a colocação de números de 1 a 9 em cada uma das células vazias numa grade de 9×9, constituída por 3×3 subgrades. Parece um jogo metódico, mas instigante e talvez um dia acabe entrando nas olimpíadas, assim como o xadrez está presente nos Jogos Abertos de Santa Catarina (JASC). Algumas pessoas jogam ou apreciam sadoku, outras, xadrez e muitas outras, futebol. Dos três jogos, o único que entendo é o xadrez. As regras do sadoku são tão estranhas para mim como são as do futebol.
Semana passada, enquanto aproveitava uma trégua da chuva para caminhar, passei por um simpático boteco, que sempre tenho vontade de entrar, mas nunca tenho sede no momento em que passo por ele e por isso vou prorrogando a visita. Chama-se Bar do Pierre e fica aqui em Campinas, São José. Muitas vezes o bar transborda, passa para o lado de fora de suas paredes e invade as calçadas de esquina com cadeiras e mesinhas plásticas. Nesse dia ele estava assim, lotado, com vários dos seus freqüentadores usando a camisa de um time de futebol, que passei a conhecer melhor nos últimos dias, por incapacidade de desligar meus canais auditivos em lugares públicos.
Há alguns anos passei uma semana no Rio de Janeiro, em um albergue localizado bem no centrão. Foi uma semana antes do carnaval e voltei para Florianópolis antes da grande festa começar. Na ocasião, o albergue estava lotado e eu era um dos poucos brasileiros. Havia chilenos, argentinos, alemães, estadunidenses, dinamarqueses, australianos… Uma noite fizemos uma festinha no albergue e fui eleito, como representante legítimo da terra, para fazer a caipirinha. Então, o Ashbery, um amigo australiano que fiz na ocasião, perguntou-me porque eu não iria ficar para o carnaval. Respondi que não gostava da festa e por isso voltaria para casa antes dos desfiles. Ele ficou um pouco admirado com a minha resposta e dali a pouco estava me perguntando sobre futebol. Falei que também não apreciava nem acompanhava este esporte. Naquele momento ele me perguntou, surpreso: “but… aren’t you Brazilian?”
Sim, os estereótipos existem, não há como fugir deles. Recriminam quem usa em excesso os estereótipos, mas eles estão aí. Como pode um brasileiro não gostar de carnaval ou futebol, pensou meu amigo australiano. Naquele momento eu fazia, com orgulho, o papel de destruidor de estereótipos. Penso que cada um pode gostar do que quiser. Meu esporte preferido tem a ver com bicicletas, não com bolas. Se o Ashbery me perguntasse a respeito de campeonatos mundiais de mountain bike e downhill, eu poderia responder com autoridade. Falaria sobre os campeões brasileiros e catarinenses e sobre as novas tecnologias das magrelas, que estão a cada dia mais sofisticadas, rápidas e seguras. Mas, sou brasileiro, então as palavras chaves que ecoavam na cabeça do Ashbery eram “carnaval” e “futebol”. Talvez, também “Amazônia” e “caipirinha” e pelo menos esta última eu conheço e sei fazer, portanto escapo do perigo de ser deportado.
No dia 11 deste mês, lá pelas 17h, precisei ir à UFSC. Saí do Kobrasol, onde moro, e peguei a Via Expressa que, durante horários específicos do dia, não é tão expressa assim. Então, comecei a ver vários carros carregando bandeiras de um time de futebol, buzinando e fazendo festa. Não entendi exatamente o que significava tudo aquilo e achei que o time das bandeiras já era campeão de alguma coisa. Depois de passar a ponte e chegar ao outro lado do túnel de Florianópolis, avistei lá na frente, mais ou menos na altura do Armazém Vieira, um grande engarrafamento se formando. Concluí que ainda não havia um campeão e provavelmente a decisão aconteceria naquela noite, no estádio de futebol perto do aeroporto. Nesse momento eu já havia percebido que as bandeiras daquele time estavam espalhadas por toda parte. Fachadas de casas, camisetas dos pedestres, sacadas de apartamentos e tudo mais. Provavelmente, os torcedores deviam fazer aquele complexo ritual toda vez que havia jogo naquele estádio, foi o que pensei.
Fiz o que precisava na UFSC e voltei pra casa. Naquela mesma noite, não lembro exatamente o horário, comecei a ouvir uma grande festa na rua. Tem uma pizzaria aqui perto onde o pessoal reúne-se para assistir futebol em um telão e fazer festa dependendo do resultado. Mas naquela noite a festa era muito maior do que nas outras ocasiões e havia carreatas na avenida central do Kobrasol; gente buzinando e mesmo ouvindo uma música alta que exaltava Florianópolis. Lembro de algo tipo “minha ilhaaaaa, formosaaa…”. Parecia final de copa do mundo.
Perguntei para a Leila se ela sabia o que estava acontecendo e ela falou que a música era o hino do Avaí, time de futebol de Florianópolis. Depois ela me disse que naquele dia o time finalmente havia passado para a primeira divisão, depois de 30 anos de jejum. Eu nem sabia que existia esse negócio de primeira e segunda divisão no futebol, mas ela me explicou como funcionava. Naquele instante, como em uma epifania, finalmente entendi todas aquelas ocasiões em minha vida quando ouvi as pessoas falando sobre esse assunto, dizendo que esse time estava na primeira e aquele estava na segunda divisão.
Mas, como eu falava lá no início, passei pelo Bar do Pierre na semana passada, lotado de freqüentadores que comemoravam o que eu finalmente sabia o que era — a passagem do Avaí para a primeira divisão. Eu estava na calçada do outro lado da rua e na minha frente, em sentido contrário, vinham pai e filho com a camisa do Avaí. Exaltados, quando os freqüentadores do Bar do Pierre avistaram aquela bela cena familiar, começaram a cantar o hino do time vencedor. O pai pegou o garoto, colocou-o nos ombros e começou a dançar, mostrando alegremente que pai e filho compartilhavam daquela alegria. Naquele momento me senti apenas um observador, um estrangeiro, e lembrei do Ashbery me perguntando se eu realmente era brasileiro.
certa vez disse a um americano que era grande admirador de Bob Dylan, ele me olhou e disse “who is Bob Dylan?”
Muito bom, principalmente porque fala de futebol 🙂
E já vi que na tua casa quem entende de futebol é a Leila, né? Qualquer dia eu ligo pra ela pra bater um papo futebolístico.