Depois de três semanas com o tempo nublado, o sol finalmente reaparece e Aninha decide se bronzear no quintal de casa. Cinco minutos depois, percebe que um engraçadinho no prédio ao lado a observa do oitavo andar, com o que parece ser um binóculo. Aborrecida, ela entra em casa para dar queixa ao marido.
No oitavo andar do prédio ao lado, Amadeus, que é ornitólogo, observa os pássaros com o seu binóculo. Espia; solta o equipamento ótico; rabisca algumas anotações em uma caderneta e volta à observação. Ele está pesquisando os tipos de aves que ainda persistem em viver nas poucas árvores que restaram na cidade.
A campainha toca e Amadeus vai atender a porta. Através do olho mágico vê um casal com cara de poucos amigos, mesmo assim resolve abrir. Antes de perguntar o que o casal deseja, o marido de Aninha se adianta:
— Você que estava ali na sacada com o binóculo?
— Sim, eu mesmo, por quê?
Como resposta Amadeus é nocauteado com um soco bem no meio da cara. Acorda no pronto-socorro com o médico fazendo um curativo no seu nariz. Desconcertado, Amadeus pergunta ao médico:
— Como vim parar aqui?
— Um casal o trouxe, falaram que são seus amigos. O rapaz parecia meio afobado e disse que o senhor envolveu-se numa briga. Eles estão ali no corredor aguardando.
Amadeus pula enraivecido da maca e sai à procura do casal, que descobre lendo revistas na sala de espera da emergência. Eles não percebem enquanto Amadeus se aproxima; arranca um aparelho telefônico de uma mesa e vai com tudo para cima do casal, acertando o telefone com toda força na cabeça do rapaz que o nocauteou. Aninha berra e alguém consegue imobilizar Amadeus, que desfalece novamente e acorda em uma cela, com um curativo no nariz e outro na cabeça. Ele senta-se na cama e de repente ouve um pássaro cantando lá fora. Olha pela grade da cela onde está, e vê o animal em uma árvore, um sicalis flaveola pelzelni, mais conhecido como “canário-do-sul”, exatamente a espécie que ele estava observando quando foi interrompido em seu apartamento. Amadeus pega seu bloco de notas, que ainda está em seu bolso traseiro junto com uma caneta, e anota: “Não observar mais os canários-do-sul, eles dão azar”.
(publicada no Plural do Notícias do Dia, 01/11/08. p.3)