Ontem, enquanto apreciava um quadro de Arthur Sarnoff sem prestar atenção no jogo, rasguei o pano verde da mesa de sinuca profissional do Lacerda, recém adquirida. Ele berrou por detrás do balcão, enquanto deixava cair um bolinho de carne pronto pra colocar na frigideira. Pegou exasperado o telefone e me remeteu um olhar fumegante. Os oficiais chegaram logo em seguida, mal tive tempo de amaldiçoar os cães do Sarnoff.
O que estava de pé parecia curioso e entretido com o meu relato. Olhou para mim, arrastou uma cadeira e pediu que eu contasse minha versão. Enquanto isso o outro se propôs a escrever o relatório. Sentou-se confortavelmente em um banquinho e começou a apontar com um estilete uma pilha de lápis cuidadosamente dispostos sobre a mesa de sinuca. Tomei de sua mão o lápis que apontava no momento, exasperado pela sua falta de habilidade e estendi a mão requisitando o estilete e perguntando: “posso?”. Os dois oficiais se entreolharam, deram de ombros e o sargento De Paula me entregou a lâmina. É claro, eu bem poderia cortar minha jugular naquele instante ou então subir na mesa e proceder com a famosa dança manchuriana acrobática, mas queria mostrar ao sargento como um profissional trabalha em um lápis. Muito bem, o primeiro passo é fazer um vinco com o estilete delimitando a área que será desbastada. A lâmina deve estar bem afiada, por isso fiz questão de partir o módulo inicial, para desespero do sargento, que não conseguiu me impedir da manobra, abriu a boca para reclamar, mas apenas pude imaginar um “não!” gutural. Depois é preciso respeitar o vinco, cortar com calma, aos poucos, rotacionando o lápis enquanto se retira milímetros a cada passada da lâmina. Nessa etapa a mina de grafite deve ser ignorada, pois o que importa é moldar a madeira. Quando finalmente chega a vez de esculpir a grafite, é imprescindível uma Guitt’s bem gelada e uma pausa para conversar, colocar em dia os assuntos de família, reclamar da alta dos combustíveis, da geopolítica e da péssima música dos vizinhos. Após este breve interlúdio, e nesse momento já será segunda-feira, com a choradeira no café da manhã, os espancamentos fumegantes denunciando mais um dia de trabalho e aquela chuva finíssima convidando para uma caminhada rumo ao metrô, você deve se concentrar em um belo núcleo de grafite em forma de cone alongado. É um trabalho de mestre, de ourives, de especialistas em desarmamento de bombas de trinitrotolueno. Qualquer movimento em falso e você estará novamente ajoelhado ao chão, tentando acompanhar as pequenas formigas levando metade de uma coxinha para seus ninhos. Detectores de movimento, de pressão atmosférica, diafragmas de borracha utilizados em aquecedores a gás, todo o tipo de dispositivo de pressão e movimento será utilizado para comprometer você. Uma bela ponta alongada, a grafite era porosa e macia, perfeita para este trabalho. Estendi a minha obra prima ao sargento De Paula, que recebeu com admiração, fez um malabarismo com o lápis entre os dedos, tomou o estilete de minha mão e pegou um novo lápis para tentar repetir meu trabalho. Pediu que eu continuasse minha história, enquanto fazia um belo vinco com a lâmina.