Vi algo que me chamou a atenção. Eu aproveitava o dia frio, mas ensolarado para voltar caminhando do meu almoço, comendo minha gelatina de framboesa com canjica. Parei no semáforo, em cima da primeira lista branca da faixa de segurança, quando vi aquele jovem ciclista, ziguezagueando pelo meio dos carros. Nada de novo até aqui, você concordará. No entanto, à medida que o jovem na bicicleta ia se aproximando, eu percebia alguma incongruência no movimento do veículo a pedal. O mesmo parecia estar desmontando, entortando, ou algo assim. Você sabe como nossa mente trabalha rápido, mesmo sem percebermos. Sabe também que a mente, mesmo aquela parte dela que faz esses cálculos e associações rápidas, pode ser contaminada pelo nosso entendimento e conhecimento da realidade? Pois bem, naquele microssegundo, naquela fagulha de tempo eu pude jurar – esta é a melhor forma de colocar em palavras meus sentimentos e decisões daquele instante – pude jurar que a bicicleta estava desmontando em pleno movimento. Houve também outra explicação rápida transitando em minha mente, algo que nem tenho mais certeza se pensei naquele momento, ou se estou criando agora. Concluí que o sol, combinado com alguma substância que havia acabado de almoçar, me proporcionaram a capacidade de ver a matéria sólida em movimento se decompor na frente dos meus olhos. No entanto, depois que o rapaz passou por mim pude perceber que era uma bicicleta flexível. Acompanhei incrédulo enquanto o sorridente ciclista fazia suas manobras, desaparecendo na próxima esquina, com sua bike que torcia em todas as direções. Quando cheguei em casa fui direto para a Internet pesquisar sobre aquela bicicleta. Em plena semana do meio ambiente, nada melhor do que uma bicicleta flexível para andar através desse nosso trânsito caótico e ruas sem ciclovias. Mas, depois de horas procurando não encontrei nada a respeito daquele veículo formidável. Agora estou convencido de que foi um delírio e que a bicicleta flexível não passa de um desejo por mudanças na forma como nos transportamos, dentro dos cockpits solitários dos nossos automóveis, vidros fechados e escapamentos a todo vapor.
(publicada no Plural do Notícias do Dia, 7/6/08. p.3)
Será que não é aquele remedinho que você costuma tomar, Aleph?
hehe, pode ser, pode ser, mas ainda acho que foi a gelatina de framboesa!