Quando viemos morar aqui e descobrimos a voz das crianças no colégio em frente, brincando nos intervalos das aulas, ficamos felizes. Afinal, quem não gosta de ouvir crianças se divertindo, não é verdade? Mesmo quando suas vozes são estridentes ou desafinadas, a alegria delas é contagiante. Era o que pensávamos no início.
Nunca fui muito de datas comemorativas, mas agora fica difícil esquecer. Páscoa, Dia das Mães, festas juninas, Dia dos Pais, Sete de Setembro, Dia das Crianças e todas as outras datas possíveis e impossíveis. Sempre com uma ou duas semanas de antecedência as crianças começam a ensaiar as músicas para comemorar alguma dessas datas e não economizam na voz.
Outro dia encontramos nossa vizinha no corredor do prédio e conversávamos com ela sobre o barulho do bar da esquina, outro que gosta de exagerar no som, mas no horário noturno. É claro que não queríamos parecer rabugentos falando mal do colégio, mas ela interrompeu a conversa e desabafou:
– E estas crianças, que fazem questão de nos acordar às 7h30 da manhã, cantando sempre a mesma música? Quando pensamos que vão nos dar uma folga, que poderemos descansar, surge um aniversário ou outra data extraordinária para comemorar. Chegam a voltar das férias com antecedência para ter tempo de ensaiar melhor a mesma música, durante a manhã e a tarde, como acontece agora com o dia dos pais. Não consigo nem tirar o meu cochilo da tarde. Ah, eu que não vou colocar os meus netos para estudar neste colégio!
Mas decidimos não fazer uma reunião de condomínio para propor um abaixo-assinado solicitando que eles coloquem um isolamento acústico no colégio, pois as crianças costumam cantar no pátio ao ar livre e não ficaria bem uma enorme redoma, como um aquário ao redor delas. O máximo que podemos fazer é ficar torcendo para que chova nos dias de ensaio ou, em último caso, comprar aqueles tapa-ouvidos de segurança utilizados por trabalhadores de equipamentos pesados como britadeiras.
(publicada no Plural do Notícias do Dia, 2/8/08. p.3)