O pornógrafo veneziano (parte I)

Com este post inicio a categoria “inacabados”, uma série de contos e outros gêneros que não consigo ou não tenho a intenção de terminar. Às vezes são simples anotações, outras pretendem ser a primeira parte de um trabalho maior, como no caso do texto abaixo, que comecei a escrever para depois transformar em um roteiro para uma estória em quadrinhos. Em um futuro indeterminado um caçador de recompensas mutante e viciado em narcofarmacos persegue um produtor de filmes pornográficos não convencionais. Com vocês, “O pornógrafo veneziano”:

Ferd— O i-name dele é “=jack.ursinho”, não tenho mais informações adicionais.

— Você sabe que com isso será difícil descobrir algo — Astor colocou o i.name no oráculo e ordenou uma busca, o spider começou a rastrear a rede em tempo real enquanto eles comiam bolacha água e sal e chá inglês. Astor pensava na Estela, suas belas tetas firmes e bicos duros. Sua baba misturada com migalhas de bolacha pingava no teclado holográfico projetado na mesa.

— Muito bem, encontrei um node, mas parece que está em uma intranet. Consegui me infiltrar através da conexão Wi-Fi deles, mas a rede é protegida por firewall e os pacotes estão se arrastando por uma pequena brecha que consegui abrir através do eco de bits. Com essa taxa de transferência vou demorar uns 15 minutos para montar a imagem do vídeo.

— Vídeo?

— Sim, consegui localizar um vídeo com esse i-name. Tudo indica, pelos dados de cache, que nosso amigo é produtor de filmes pornôs, do tipo não convencional, se é que você me entende.

— Ora vejam só, por isso o i-name. Ele deve ter usado um i-broker norueguês, eles são muito liberais por lá. Está explicado porque os Homens o querem.

— Sem dúvida. Por favor, tire o cotovelo de cima dos meus papéis. Se nós conseguirmos o openID dele, podemos plotar um eixo de dobra com as coordenadas. Astor fez um malabarismo com seus dedos cegos, sussurrou algo para a máquina e sorriu com satisfação — E ai está: 27°34’39”S 48°31’34”W, parece que encontramos o esconderijo do nosso amigo.

— Meu velho, seus serviços valem cada centavo do que eu te pago.

— Eu sou o melhor.

— Você é — Ferd mergulhou seus longos e disformes braços no paletó que recolheu da mesa de Astor, conectou suas raquetes de andar na neve e arremessou para Astor um dobrão espanhol.

— Ei, esse não foi o combinado — protestou o amigo.

— Meu caro, primeiro preciso confirmar os seus dados, depois eu te dou a outra parte.

Caminhou para seu aeromóvel sob o olhar contrariado de Astor enquanto sacava o GPS e entrava com as coordenadas. Um mapa tridimensional se formou à sua frente, projetada por um pequeno feixe luminoso entre as lentes dos seus óculos. O sistema sugeriu a rota mais próxima, conectou com o sistema de navegação do aeromóvel, verificou o tráfego e confirmou a rota com Ferd, que grunhiu em consentimento. Precisava verificar suas cordas vocais, os narcofarmacos estavam fazendo mal pra ele. Já não bastasse as tripas, agora sua garganta começava a falhar. Precisava ingerir algumas fibras de psyllium, iriam corrigir o problema. Alguns minutos depois, estava no edifício, uma construção praticamente esquecida, uma sigla de 3 letras, foi um centro integrado com fins culturais no passado. O dinheiro era desviado para as pessoas erradas e já naquela época era uma construção quase esquecida, servindo apenas para a negociata e o enriquecimento ilícito, enquanto os eventos culturais eram deixados de lado. E agora um produtor de filmes proibidos, protegido atrás de um i.name vago e de um firewall de segunda mão, estava escondido por ali, provavelmente bolando sua próxima produção nefasta. Ferd deslizava seus tentáculos gosmentos pelos corredores empoirados. O cheiro de porra ressecada penetrava em suas narinas apuradas, que havia herdado da família de sua mãe, seres aquáticos abissais que, não tendo a visão para se guiar nas profundezas dos mares, precisavam ter os outros sentidos superaguçados.

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