Caminhos compartilhados

A espécie humana pode locomover-se, grosso modo, com a ajuda de quatro dispositivos pessoais terrestres: automóveis, motocicletas, bicicletas e pés. Estas quatro categorias não costumam se relacionar muito bem e podem trabalhar pela extinção uma da outra.

O mais frágil de todos são os pés, seguidos das bicicletas e das motocicletas. Em acidentes envolvendo grupos diferentes, os pés costumam ser apontados como um dos principais culpados, apesar de estarem restritos a trechos muito menores para se locomover, em comparação com os automóveis e motocicletas. Os automóveis são dispositivos pesados envolvidos por uma couraça metálica que os protege em caso de colisões com algum dos outros três dispositivos. O problema é quando os automóveis colidem entre si, ou quando encontram pela frente uma barreira mais sólida do que eles, como objetos de concreto, árvores ou então outro dispositivo robusto como um caminhão.

Em alguns locais do planeta as bicicletas ainda são praticamente ignoradas e relegadas a raros caminhos por onde podem circular suas rodas emborrachadas e não poluentes. Seus predadores naturais, assim como os pés, são os automóveis. Este fato poderia indicar uma união natural entre estas duas categorias mais frágeis, mas não é o que acontece. Apesar de viverem em aparente paz, bicicletas e pés costumam amaldiçoar-se quando ocorre algum encontrão entre os dois e não se unem para melhorar suas situações.

Motocicletas e automóveis também não costumam sorrir alegremente um para o outro em nossas ruas movimentadas. Os primeiros reclamam da folga dos segundos, que trafegam entre os automóveis. Por outro lado os automóveis também não respeitam as motocicletas, achando que elas estão ocupando espaço demais à sua frente, quando andam corretamente. Estes dois dispositivos motorizados e bebedores de combustíveis fósseis também costumam ignorar as faixas de segurança, caminho natural dos pés, que são vilões quando ignoram estas faixas e não são respeitados quando reivindicam o seu direito natural de utilizá-las.

E assim, os humanos se locomovem sobre seus pés ou suas rodas, esperando que o outro não corte a sua frente e seu caminho seja respeitado e, sobretudo, que possam obedecer seus horários.

(publicada no Plural do Notícias do Dia, 9/8/08. p.3)

2 thoughts on “Caminhos compartilhados

  1. hehehe, não esqueça que estou restringindo ao máximo, para ficar apenas com esses dos quais falo na crônica. por isso o “dispositivos pessoais terrestres”, talvez eu devesse acrescentar “não metafísicos”, é isso?

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